26.5.16

Por que a escola moderna não pode oferecer uma educação clássica

A verdadeira educação clássica tem requisitos que as escolas modernas são incapazes de satisfazer. Só o homeschooling pode atender às exigências espirituais da tradição antiga, medieval e renascentista.

Não falo, evidentemente, do que vem sendo chamado de "educação clássica" ou "educação liberal" pelos norte-americanos - a primeira expressão se refere a uma teoria pedagógica de Dorothy Sayers, e a segunda, aos projetos inspirados por Mortimer Adler. Ambas as doutrinas possuem importância própria, especialmente como tentativas de recuperar alguma sanidade na pedagogia moderna, mas não refletem nem de longe o que era feito no verdadeiro sistema das artes liberais. As diferenças são numerosas demais para que eu as cubra neste artigo; um princípio, porém, que talvez explique muitas delas é justamente o fator que lhes permite a aplicação nas escolas modernas, separando-as portanto da pedagogia antiga. Chamarei esse princípio de "estrutura maquinal".

A "estrutura maquinal" se manifesta na obsessão por currículos, cronogramas, metas, manuais com exercícios pré-prontos, etc. O prestígio do professor é transferido para livros, computadores ou - o que é muito pior - instituições de ensino, que nada mais fazem do que conglomerar professores sob o comando de burocratas. As tentativas modernas de recuperar a "educação clássica", sofrem, justamente, de preconceitos derivados dessa estrutura maquinal, os quais geralmente são considerados "avanços" que não devem ser "perdidos".

Em termos claros: educação, no espírito clássico, é a relação entre um ser humano adulto e um jovem, em que o adulto examina cuidadosamente todos os meios convenientes pelos quais o jovem pode ser levado à perfeição do seu ser individual. Assim sendo, o papel do sistema teórico, dos livros, e mais ainda o das instituições envolvidas, é o de facilitar o trabalho do mentor; e no momento mesmo em que esses instrumentos começam a substituir o juízo humano, desejando impor determinados meios numa ordem fixa, sabemos que nosso espírito se tornou incompatível com a tradição clássica. Nenhum currículo, nenhuma imitação de aspectos superficiais da tradição pode fazer grande diferença nessas condições.

Mais ainda: o princípio da educação clássica é o amor, espécie de paternidade espiritual, entre dois seres humanos, um velho, o outro jovem; mas só se ama o que se conhece, e a estrutura escolar moderna é montada para que os professores e alunos não possam conhecer-se, muito menos amar-se uns aos outros. A tendência inexorável é a de burocratizar as instituições educacionais, transformando professores em "funcionários" e alunos em "beneficiários" - isto é, reduzindo-os a papéis abstratos que prescindem da manifestação de suas personalidades integrais, e chegam mesmo a proibi-la.

Ora, se as escolas (e universidades) se tornaram ambientes necessariamente anti-educativos, o único lugar em que resta a possibilidade do diálogo amoroso entre professor e aluno é a sua própria casa - já que, ao menos por enquanto, não tentam regular o que se faz nela. Isso pressupõe, naturalmente, a presença de instrutores particulares e especializados, quando o assunto o exigir: mas os diretores da educação, aqueles que decidem a quem e quando entregar as crianças, serão aqueles que as conhecem como ninguém, e que possuem mais condições de amá-las do que qualquer pretensioso diplomado. Assim é que os aspectos técnicos e instrumentais, inclusive os professores, se submetem novamente à finalidade real da educação.

O ensino domiciliar é o único, portanto, que oferece, neste momento, alguma chance de produzir seres humanos completos, livres e intelectualmente desenvolvidos. Toda intromissão da instituição escolar, seja ela política, ideológica ou pedagógica, será um mal a ser evitado. Que o ambiente doméstico se pareça o mínimo possível às escolas modernas, e que seja dotado de uma intensa busca pela perfeição intelectual e existencial, são as exigências para que o homeschooling cumpra o papel intransferível de formar a futura inteligência do Ocidente. Só ele nos dá esperança de que, inspirados pelo seu sucesso, os homens do futuro decidam remover as amarras burocráticas das escolas, tornando-as novamente centros de educação.

22.5.16

Antropologia e sentido da vida

O professor Tiago Amorim fala sobre o sentido de vida na perspectiva antropológica espanhola.

6.5.16

O conhecimento de si e a questão da felicidade

Henriete Fonseca comenta sobre a importância do conhecimento de si para a felicidade e realização pessoal.

23.4.16

Liberdade, tirania

As análises políticas contemporâneas costumam apresentar a democracia e a tirania (como se tornou costume dizer), como pólos opostos dentro da plêiade de sistemas de governo de países modernos.

A democracia, geralmente pintada com cores vistosas e atraentes, assegura, segundo dizem, o maior grau de liberdade possível a seus cidadãos. Liberdade política, de organização e de trabalho são aspectos frequentemente lembrados da vida democrática. Menos vezes se caracteriza a democracia pela quase ausência de freios morais que nela impera. De fato, o governo democrático é impotente para operar qualquer melhoramento moral de sua sociedade, por ser sustentado por princípios relativistas, e também por recear constantemente desagradar a turba sempre ávida de novas liberdades.

A ditadura, pelo contrário, costuma-se pintar com cores sombrias (negras, quando se trata de ditadura de "direita"). A ausência de partidos políticos - de oposição, é claro, - a obrigação de trabalhar sob controle rígido, o Estado policialesco e, muitas vezes, as restrições à própria liberdade de movimentação são labéus que maculam os regimes ditatoriais. Esses, porém, não se intimidam em impor padrões de comportamento a seus súditos, denominando-os, porém, de atitudes "cívicas".

Essa oposição entre democracia e ditadura (seria mais exato dizer tirania, mas evitamos essa palavra para não sermos mal interpretados), à primeira vista tão ampla e envolvendo aspectos tão diversos, não é senão aparente. Caso contrário não se explicariam as frequentes e abruptas transições da democracia à ditadura, nem o fascínio crescente que a tirania marxista exerce sobre as democracias.

Ao invés de considerar a tirania como a antípoda da democracia, devemos na verdade estimá-la como a prole legítima desse último regime. Com efeito, é justamente o bem que a democracia mais preza, a liberdade, que, buscada excessivamente, acarreta sua dissolução.

Essa afirmação, não obstante pareça insólita, é justamente a tese defendida por Platão no seu célebre diálogo "A República". A verdade dos princípios nele propugnados  é de tal forma universal que consideramos legítimo transpor suas mesmas conclusões para a nossa sociedade.

Platão afirma que o Estado (ele usa a palavra cidade) democrático, embriagado pela sua ânsia de liberdade, passa a erigir governantes sempre mais frouxos, que não tenham coragem ou princípios para conter o relaxamento crescente. Os governantes que hesitam em atender essas tendências são rotulados de inimigos do povo.

Não se aplica essa descrição a nossa sociedade? Será por coincidência que nossos governantes são sempre mais hesitantes? Não explica ela o número crescente de vozes que se levantam contra a censura, mesmo a que protege as bases do Estado?

Platão afirma que na democracia o mesmo espírito anárquico penetra os domicílios privados: "o pai se acostuma a igualar-se com os filhos e a temê-los, e os filhos a igualar-se com os pais e não lhes ter respeito nem temor algum... Jovens e velhos, todos se equiparam; os rapazes rivalizam com seus maiores em palavras e ações; e estes condescendem com eles, mostrando-se cheios de bom humor e jocosidade, para imitá-los e não parecerem casmurros e autoritários". 

É difícil encontrar descrição do mundo atual mais exata do que essa redigida a mais de dois mil anos. Mas Platão não se detém, ele fala ainda da igualdade dos sexos, da confusão entre cidadãos e estrangeiros, e termina com uma frase antológica: "as cadelas valem tanto quanto as suas donas, e os cavalos e os asnos andam às soltas, como importantes personagens, empurrando pelos caminhos a quem não lhes cede o passo; e por toda a parte se vê a mesma pletora de liberdade". Embora Platão tenha escrito em sentido simbólico, não podemos deixar de pensar nos inúmeros institutos de beleza canina espalhados pelas cidades contemporâneas.

A consequência desse estado de coisas é que os cidadãos não aceitam a menor imposição da autoridade e terminam por votar a sua completa abolição. Qualquer semelhança com a atual realidade não é mera coincidência.

Dessa forma o excesso de liberdade conduz à abolição da lei, daí resultando necessariamente a tirania. Pois o povo, excitado pela febre de liberdade e acostumado a encontrar fraqueza em seus governantes, exige que eles despojem os ricos e distribuam-lhes os bens. Não lembra isso nossa tão malfadada reforma agrária, propugnada como uma exigência da "dignidade humana"? O próprio Platão reconhece que o governo procura atender a esses reclamos do povo - "depois de reservar para si a parte do leão" - mas também não pode descontentar totalmente os ricos, de cujo sustento depende.

É nessa altura que surge a figura do "protetor do povo". Um líder suficientemente inescrupuloso para conduzir a massa, fazendo-se passar por seu benfeitor. Platão assim o descreve: "... nos primeiros tempos ele anda cheio de sorrisos, saudando a todos que encontra e negando que seja um tirano; promete muitas coisas em público e em privado, perdoa dívidas, distribui terras entre o povo e  os de sua comitiva". Nossos partidos de esquerda são povoados de protetores em potencial, sempre prontos a distribuir favores (e propaganda) com o bem alheio.

Todavia, o tirano está sempre pronto a ver inimigos tanto internos quanto externos, que não permitem ao povo dispensar seu condutor, seu "fühner". São esses inimigos que permitem-lhe cobrar impostos onerosos. Dessa forma também garante que qualquer descontentamento interno pode ser apontado como uma traição ao Estado. Se alguém ao ouvir essa descrição se lembrou-se da Nicarágua, pense também em Cuba, na Polônia, etc.

Dessa forma o tirano se vê obcecado em perseguir seus inimigos e "segue por esse caminho até não deixar com vida uma só pessoa de valor quer entre amigos, quer entre inimigos".

Como se vê, em nada nos força a comparação. A descrição feita por Platão se coaduna perfeitamente com os fatos que hoje assistimos. Se a tirania representada no mundo moderno pelo comunismo, ainda não se implantou em toda a parte, ela se aproxima a largos passos. Em alguns países a decomposição avançada das instituições permite prevê-la para amanhã. Em outros a sede de liberdades acabará por trazê-la mais tarde.

Mas se isso é verdade, democracia e tirania não devem ser descritas como pólos opostos, mas como etapas de uma única doença, de uma única decomposição. Essa doença é de natureza moral, pois consiste na busca desordenada e exclusiva de um bem - a liberdade - em detrimento de outros bens.

Muito mais do que a propaganda soviética, a grande mola do comunismo é a ausência de valores morais das democracias e, por causa disso a tirania só poderá ser evitada com uma reforma de natureza moral, que deve partir de dentro para fora, isto é, do coração do homem, para as instituições e para toda a sociedade.

É nas profundezas de cada coração e no recôndito das consciências que nasce a verdadeira restauração da ordem política.

"Quando numa cidade são honrados a riqueza e os ricos, a virtude e os virtuosos tornam-se alvo de desdém".

Por Gustavo de Araújo

9.3.16

Revolução marxista na nova base curricular do Ministério da Educação

Padre Paulo Ricardo fala sobre a nova "base curricular" do MEC, que quer fazer o Estado ditar, nos mínimos detalhes, a cartilha de nossos filhos, e que esse documento vai terminar instaurando uma verdadeira revolução marxista no Brasil.

5.3.16

Os contos de fadas e seus críticos

A boa fantasia, fruto do "ensolarado país do bom senso", como lembrava Chesterton, nos fornece desde a tenra idade "as perspectivas do real e do ideal, do mundano e do sagrado, do pequeno e do grande, do temporal e do eterno". Trazem para as vidas de crianças e adultos modelos de heroísmo, um senso de significado e de providência, a ideia de uma felicidade condicional, reforçam a crença na vocação humana e o amor pela criação.

Existem, contudo, os que criticam a educação pelos contos de fadas. Dentre eles poderíamos destacar dois tipos diferentes, mas que, no fundo, são essencialmente iguais.

O primeiro tipo de crítico poderíamos chamar, em homenagem a Charles Dickens (1812 - 1870), de "Sr. Gradgrind". No romance de Dickens, o Sr. Gradgrind já enunciava sua pedagogia na advertência: "No momento o que quero são fatos. Ensine a esses meninos e meninas nada além de fatos. Somente fatos são necessários na vida."  Um crítico do tipo Gradgrind nos diz, portanto, que a educação por contos fantásticos e histórias de fadas promove um escapismo acrítico da realidade. Os Gradgrinds são "grandes realistas", verdadeiros seguidores de Rousseau, Bentham, James Mill, só para citar alguns pensadores que partilham desses ideais. Desejam censurar e controlar as crianças para que os "pequenos adultos" se tornem "grandes homens", sem desperdícios ou devaneios.

Para os Gradgrinds, todos os aspectos da vida têm de se voltar para a realidade, tudo tem de ser problematizado, politizado, afinal, essa é a vida real! Para esse tipo de crítico teria sido muito melhor ensinar as crianças a respeito de grandes vultos históricos, que aprendessem sobre coisas e fatos da vida real (Chesterton nos adverte que a Duquesa de Somerset era um desses tipos gradgrindianos). Para eles até o lazer - e aí incluímos a literatura - tem de ser instrumentalizado, escolarizado, tem de ter um propósito prático. Pretendem fincar com chumbo os pés da criança no mundo cinza e ideologizado daquilo que chamam realidade. O didático tem de se sobrepor ao literário, a realidade à fantasia.

Infelizmente, essa rejeição do maravilhoso e do fantástico não é novidade e nem exclusividade do século XXI. O próprio Andrew Lang (1844 - 1912), o famoso folclorista e compilador de contos de fadas escocês, já comenta, no prefácio de O Fabuloso Livro Verde: "Existem algumas pessoas adultas que dizem que histórias não são boas para crianças porque não são verdade; porque não existem bruxas nem animais falantes e porque nelas as pessoas são mortas, em especial por gigantes malvados." E argumenta com seu leitor a respeito da falta de razoabilidade desses adultos: "Mas, provavelmente, vos que ledes sabeis muito bem o que é verdade e o que é faz-de-conta e ainda não ouvi falar de uma criança que tenha matado um homem muito alto simplesmente porque João matou gigantes, ou que tenha sido grosseira com sua madrasta, caso tenha uma, porque nos contos de fadas as madrastas sempre são desagradáveis " [1].

No Brasil, desde a primeira coletânea de 61 histórias de fadas traduzida pelo jornalista Alberto Figueiredo Pimentel (1869 - 1914), os Contos da Carochinha (1896), já vemos a imagem desse tipo de narrativas ser amesquinhada, associada à mentira e à bruxaria, visto que "carocha" era o nome dado à mitra dos condenados pela Inquisição. Assim, tais contos eram tão somente mentiras e bobagens para mera distração das crianças.

Em 1937, numa outra coletânea chamada Reino das Maravilhas, Contos de Gênios e de Fadas, o escritor e jornalista Godin da Fonseca (1899 - 1977) fazia uma advertência no prefácio que ainda é muito atual:

"Formou-se no Brasil de hoje uma corrente de pedagogia contra os contos de fadas, e é para admirar que entre os que condenam a vulgarização de Perrault, Grimm, Bazilio, Gozzi, Mme. D'Aulnoy, etc., haja espíritos mais ou menos brilhantes e de sofrível cultura. Falta de visão intelectual? Falta de sentimento? Não sei. O que sei é que dão tratados de mecânica e eletricidade a meninos e meninas, e aconselham como infalíveis geradores de virtudes uns certos "apólogos morais", que são tudo o que há de mais soberanamente enfadonho para leitores grandes ou pequenos! Servem apenas, esses tratados e esses apólogos, para tirar a jovens e crianças o gosto da leitura e para lhe ir pouco a pouco embotando a mais nobre de todas as faculdades da alma, que é, sem dúvida, a faculdade de sonhar."

Os antigos "fatos" dos Gradgrinds científicos, agora são transformados em "informação" - em pixels e bites -, informatizados, pelos Gradgrinds reformadores do mundo: os pedagogos e filósofos iluminados do século XXI. Desenvolveram uma filosofia e uma linguagem cheia de boas intenções - aquelas mesmas que abarrotam os porões do Inferno. A nova utopia desses reformadores do mundo é pretender criar para a humanidade um ambiente sem conflitos, limpo e homogeneizado em que a vida possa ser feliz e harmônica.

Não há mais tempo a perder, tudo tem de ser rápido -  rápido e espetacular! Pelo espírito dos novos tempos temos de ficar entretidos e entreter, mas não precisamos necessariamente de recordar. Memória? Que memória? Vivemos uma grande era visual, cheia de cores e estímulos aos sentidos, em que para tudo basta um toque na tela do computador. O mundo digitalizado e interativo está ao alcance de qualquer um! Já vivemos imersos no maravilhoso e no fantástico, só precisamos garantir que nada aflija esse estado de coisas da modernidade e suas conquistas. Eis o ambiente em que surge o politicamente correto.

Os Gradgrinds modernos, entusiastas de métodos alternativos de educação, portanto, não utilizam mais "apólogos morais" nos moldes do Apólogo para Crianças (1924) de Coelho Neto (1864-1934). O método é tão ou mais "soberanamente enfadonho", porém muito eficaz: politizar e controlar a "realidade" e a mente das crianças. Nesse contexto, um dos gêneros mais atacados é o dos contos de fadas.

Os contos clássicos trazem uma mensagem bastante inconveniente à nova ideologia. Ensinam que a "natureza humana não é inatamente boa, que o conflito é real, que a vida é severa antes de ser feliz" [2]. Ensinam ainda que existe uma constante comum de humanidade e que a felicidade é condicional: "uma incompreensível felicidade se apoia sobre uma incompreensível condição" [3]. Eliminar o conflito, censurar palavras e expressões tidas como ofensivas ou violentas pelo tribunal dos ideólogos do "Mundo Feliz", criar novas versões de contos e cantigas tradicionais - nada disso elimina a verdade e a sabedoria contidas nos contos tradicionais. Esses novos Gradgrinds se esquecem (claro, não valorizam a memória!), contudo, de que são exatamente essas narrativas que permitem as crianças tomar consciência delas mesmas e do mundo que as cerca. São essas narrativas aparentemente simples e fantásticas que as ensinam a lidar com conflitos, a dominar não só um código de leitura, mas um código dos símbolos que as permitirá desenvolver um critério de julgamento da própria realidade.

É extremamente necessário que pais e educadores entendam de uma vez por todas que "um outro mundo" não é possível. Não há como mudar a natureza humana, nem com um milhão de histórias boazinhas e moralizantes em que os conflitos e a violência tenham sido assepticamente higienizados e homogeneizados pelos ideólogos do politicamente correto. Nem só de Barney vivem as criancinhas!

Educar sem oferecer a possibilidade da formação de juízos de valor baseados em uma constante comum de humanidade é criar, como dizia C.S. Lewis, "primatas de calças", indivíduos verdadeiramente destituídos da capacidade humana de imaginar ou sentir, que tornar-se-ão "homens sem peito", os homens desumanos, depressivos e entediados da sociedade moderna. 

O absurdo dessa situação no âmbito dos contos de fadas foi ilustrado pelo norte-americano James Finn Gardner em Contos de Fada Politicamente Corretos - Uma Versão Adaptada aos Novos Tempos. O autor reescreveu, em linguagem politicamente correta, várias dessas histórias, denunciando com muito bom humor o despropósito da nova tendência da linguagem "apropriada" nesse gênero literário. Na versão de Gardner vemos, por exemplo, uma Chapeuzinho Vermelho que, ao ser abordada pelo lobo, responde:
Considero a sua observação sexista e extremamente ofensiva, mas vou ignorá-la por você desempenhar um papel tradicional de pária da sociedade. Agora, se você me desculpar, preciso seguir caminho. E Chapeuzinho foi andando pela estrada afora.
 Ou ainda, no momento em que Chapeuzinho vê o lobo disfarçado de vovozinha, eis como o narrador descreve a impressão "politicamente correta" da menina:
A menina ficou assustada ao ver o lobo vestido daquele jeito,  mas evitou fazer qualquer comentário ou dizer qualquer piada preconceituosa e de mau gosto sobre a opção sexual do animal, mas pôs-se a gritar devido à deliberada invasão de seu espaço pessoal.
Creio que é desnecessário explicar o desarranjo mental que um tipo de literatura assim causaria às futuras gerações.

O outro tipo de crítico que desejo apontar aqui, mais brevemente, é o tipo "caçador de bruxas". Parte de uma visão de mundo religiosamente perturbada e condena histórias de imaginação como mitos de origem pagã e new age, cujos efeitos são desastrosos nas mentes mais jovens. Da mesma maneira que os tipos gradgrindianos buscam fatos e informações, o "Caçador de Bruxas" acha possível trazer o Reino de Deus para o aqui e agora. A realidade é demasiado mundana para sua religiosidade. Crê que só a letra fria da Palavra de Deus (e nesse caso, as alegorias e metáforas são tratadas com extrema literalidade) ou a vida exemplar dos Santos bastam para nutrir a imaginação. Não compreende mitos, metáforas e alegorias; quer espiritualizar o mundo, mas já é um desencantado. É um tipo paradoxal e, como os outros dois, admite gradações. Talvez esse sujeito já seja, ele mesmo, ainda que acredite ser muitíssimo religioso, um fruto do processo de secularização.

Então, sem saber, imbuídos do espírito mórbido da moralidade moderna, que só consegue indicar os horrores de uma "violação à lei" cuja única certeza é a existência do mal e não a presença onipotente do bem. Tudo é imperfeição, tudo é profano. Assim como os realistas tentam usar a ciência ou a informação para promover uma moralidade moralista. Assim como a crença dos ateus modernos é profundamente teológica, a crença desses religiosos "caçadores de bruxas" é profundamente ateia.

Ambos os tipos são "espíritos mais ou menos brilhantes e de sofrível cultura", que, segundo Chesterton, poderiam ser chamados de "hereges". Tentam moldar um outro tipo de homem que não possua os óbvios limites e defeitos da atual natureza humana. Como Prometeus modernos, pretendem criar um homem de natureza feliz, sem conflitos, sem contradições, sem violência, sem pecado e, por isso mesmo, sem mistério nem encantamento, sem bem nem mal; um homem que não acredita em fadas.

[1] "To the Friendly Reader", in The Green Fairy Book, Nova York, Dover, 1965. p. X
[2] Tratar, in Brenman, p. 184
[3] G. K. Chesterton, Ética da Terra das Fadas, São Paulo, LTR, p. 79

Por Márcia Xavier de Brito

21.1.16

18.1.16

Como o ensino público debilita nossas crianças e por quê

Durante os trinta anos em que ensinei em algumas das piores, e em algumas das melhores, escolas de Manhattan, tornei-me um especialista em tédio. O tédio estava em todos os lugares do meu mundo, e se você perguntasse às crianças, como eu fazia frequentemente, por que elas sentiam-se tão entediadas, as respostas eram sempre as mesmas: elas diziam que o dever era estúpido, que aquilo não fazia sentido, que elas já sabiam aquilo. Diziam que gostariam de estar fazendo algo de verdade, não apenas ficar sentadas aqui e ali. Elas diziam que os professores pareciam não saber muito sobre as suas temáticas e obviamente não estavam interessados em aprender mais. E as crianças estavam certas: os professores estavam tão entediados quanto elas.

O tédio é o estado comum dos professores de escola, e qualquer um que tenha passado algum tempo em uma sala de professores pode atestar a falta de energia, as reclamações e o desânimo encontrados ali. Quanto questionados sobre o porquê de sentirem-se entediados, os professores tendem a culparem as crianças, como você já deve imaginar. Quem não se sentiria entediado ensinando alunos grosseiros e interessados somente nas notas? Isso na melhor das hipóteses. Claro, os próprios professores são produtos dos mesmos programas de escolarização compulsória de doze anos que tanto aborrecem os estudantes, e, como membros da escola, eles estão presos a estruturas ainda mais rígidas do que aquelas impostas sobre as crianças. Então, de quem é a culpa?

Todos somos culpados. Meu avô ensinou-me isso. Em uma tarde, quando eu tinha sete anos, queixei-me de tédio para ele, e ele deu-me uma pancada na cabeça. Disse-me que jamais repetisse aquela expressão em sua presença, e que, se eu estava entediado, aquilo era culpa minha e demais ninguém. O dever de animar-me e instruir-me era inteiramente meu, e as pessoas que não soubessem disso eram infantis e, se possível, deveriam ser evitadas. Certamente não eram confiáveis. Aquele episódio curou-me do tédio para sempre; e aqui e ali, ao longo dos anos, eu fui capaz de transmitir a lição a alguns estudantes notáveis. No entanto, na maioria das vezes, achei inútil tentar desafiar a noção oficial de que o tédio e a infantilidade eram o estado natural das coisas na sala de aula. Muitas vezes precisei desafiar os costumes e até mesmo driblar a lei para ajudar as crianças a se libertarem dessa armadilha.

O império contra-atacou, é claro; adultos infantis geralmente confundem oposição com deslealdade. Certa vez, ao voltar de uma licença médica, descobri que todas as provas que garantiam minha licença haviam sido intencionalmente destruídas, que meu contrato havia sido rescindido, e que eu não mantinha mais nem mesmo minha licença como professor. Após nove meses de tormentas, eu finalmente consegui recuperar minha licença, quando a secretária da escola admitiu testemunhar o desenrolar dos fatos. Durante este período, minha família sofreu mais do que eu gostaria de lembrar. Quando, em 1991, finalmente me aposentei, eu tinha razões mais que suficientes para pensar em nossas escolas - com seu confinamento forçado de alunos e professores por longos períodos em salas, num regime quase carcerário - como fábricas virtuais de infantilidade. No entanto, eu não conseguia ver por que tinham que ser daquela maneira. Minha própria experiência me havia revelado o que muitos outros professores precisam também aprender ao longo do caminho, ainda que guardem para si mesmos por medo de represálias: se quiséssemos, poderíamos, de maneira fácil e barata, eliminar as velhas e estúpidas estruturas, e ajudar as crianças a adquirirem uma educação em lugar de simplesmente receberem uma escolarização. Encorajaríamos as melhores qualidades da juventude - curiosidade, espírito aventureiro, resiliência, a capacidade de ter insights surpreendentes - simplesmente sendo mais flexíveis em termos de tempo, textos e provas, estimulando as crianças a tornarem-se adultos competentes, dando a cada aluno a autonomia que ele ou ela precise para assumir um risco de vez em quando.

Mas não fazemos isso. E quanto mais eu perguntava por que não, e insistia em pensar sobre o "problema" da escolarização como um engenheiro o faria, mais eu me enganava: e se não há um "problema" com nossas escolas? E se elas são do jeito que são, tão distantes do senso comum e da longa experiência sobre como as crianças aprendem as coisas, não porque estejam fazendo algo errado, mas porque estão fazendo algo certo? É possível que George W. Bush tenha acidentalmente falado a verdade quando disse que "não vamos deixar nenhuma criança para trás"? Será que nossas escolas são feitas para garantir que nenhuma delas venha a crescer de fato?

Nós realmente precisamos de escola? Não refiro-me à educação, mas a escolarização forçada: seis períodos por dia, cinco dias por semana, nove meses por ano, por doze anos. Esta rotina mortal é realmente necessária? Se sim, para quê? Não nos escondamos atrás da leitura, escrita e matemática como motivos, pois dois milhões de homeschoolers felizes certamente descartaram essa justificativa banal. Mesmo que não o tivessem feito, um número considerável de norte-americanos famosos nunca passou pelos sufocantes doze anos pelos quais nossas crianças atualmente têm de passar, e eles saíram-se bem. George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Abrahan Lincoln? Alguém os ensinou, com certeza, mas eles não foram produtos de um sistema escolar e nenhum deles jamais "graduou-se" em uma escola secundária. Durante a maior parte da história americana, as crianças geralmente não passaram pelo ensino médio, mas os desescolarizados se tornaram almirantes como Farragut; inventores como Edison; capitães da indústria, como Carnegie e Rockefeller; escritores, como Melville, Twain e Conrad; e mesmo acadêmicos, como Margaret Mead. Na verdade, até bastante recentemente, pessoas que atingiam a idade dos treze anos não eram de maneira alguma vistas como crianças. Ariel Durant, co-autora de uma enorme série de livros muito boa sobre história mundial junto com seu marido Will, casou-se aos quinze anos; e quem poderia declarar que Ariel Durant era uma pessoa ignorante? Sem escolaridade, talvez; mas, não ignorante.

Nós temos sido ensinados (isto é, escolarizados) em nosso país a pensar em "sucesso" como sinônimo de, ou, no mínimo, dependente de "escolarização", mas historicamente vê-se que isso não é verdade, nem em termos intelectuais, nem em termos financeiros. E hoje em dia, muitas pessoas por todo o mundo encontram formas de educarem-se a si mesmas sem recorrer a um sistema de escolas secundárias compulsórias que frequentemente lembram prisões. Por que, então, os americanos confundem educação com tal sistema? Qual é exatamente a finalidade das nossas escolas públicas?

A escolarização em massa de natureza compulsória envolveu-se com os Estados Unidos da América entre 1905 e 1915, embora tenha sido concebida muito antes, e reivindicada pela maior parte do século XX. As razões para esta enorme agitação da vida familiar e das tradições culturais foram, a grosso modo, três:
  1. Criar boas pessoas;
  2. Criar bons cidadãos;
  3. Fazer de cada pessoa a melhor versão de si mesma.
Tais metas são ainda hoje defendidas frequentemente, e a maioria de nós aceita-as de uma ou outra forma como uma definição aceitável da missão da educação pública; mesmo sendo poucas, as escolas falham em alcançá-las. Mas, estamos totalmente errados. Compondo o nosso erro está o fato de que a literatura nacional tem declarações numerosas e surpreendentemente consistentes acerca do verdadeiro propósito da escolarização obrigatória. Temos, por exemplo, o grande H. L. Mencken, que escreveu em The American Mercury, em abril de 1924, que o objetivo da educação pública não é "encher os mais jovens da espécie com conhecimentos e despertar-lhes a inteligência... Nada poderia estar mais distante da verdade. O objetivo é simplesmente reduzir o maior número possível de indivíduos ao mesmo nível seguro, reproduzir e treinar uma cidadania padronizada, e acabar com a dissidência e com a originalidade. Este é o seu objetivo nos Estados Unidos... E este é seu objetivo em qualquer outro lugar."

Em função da reputação de Mencken como um satírico, podemos ser tentados a descartar essa passagem como sendo um sarcasmo hiperbólico. Seu artigo, no entanto, segue traçando o modelo de nossos próprio sistema educacional, voltando ao já desaparecido - mas jamais a ser esquecido - estado militar da Prússia. E embora ele certamente estivesse ciente da ironia de que havíamos recentemente estado em guerra contra a Alemanha, Mencken, o herdeiro do pensamento e da cultura prussianos, estava sendo perfeitamente sério aqui. Nosso sistema educacional é realmente prussiano, e isto é, de fato, motivo para preocupação.

Uma vez saibamos procurar, o estranho fato de uma origem prussiana para nossas escolas aparece repetidamente. William James referiu-se a isso muitas vezes na virada do século. Orestes Brownson, o herói do livro "O verdadeiro e único céu", de 1991, de Christopher Lasch, denunciou publicamente a prussianização das escolas norte-americanas na década de 1840. Em 1843, o "Sétimo relatório anual" de Horace Mann para o Conselho Estadual de Educação de Massachusetts é essencialmente um hino à terra de Frederico, o Grande, e um chamado para que o seu modelo de escolarização fosse trazido para cá.  Que a cultura prussiana tenha expandido-se vastamente  na América não é fato surpreendente, dada nossa antiga associação com esse Estado utópico. Um prussiano serviu como assistente do presidente Washington durante a Guerra da Revolução, e tantos alemães estabeleceram-se aqui em 1795, que o Congresso cogitou publicar uma edição em língua alemã das leis federais. Mas, o que choca é que nós adotamos tão avidamente um dos piores aspectos da cultura prussiana: um sistema educacional elaborado deliberadamente para produzir intelectos medíocres, para tolher a vida interior, para negar aos alunos apreciáveis habilidades de liderança, e para assegurar a formação de cidadãos dóceis e incompletos - tudo com o intuito de formar uma população "administrável".

Foi a partir de James Bryant Conant - presidente de Harvard por vinte anos, especialista em gás letal na I Guerra Mundial, executivo no projeto da bomba atômica na II Guerra Mundial, alto comissário da zona americana na Alemanha depois da II Guerra Mundial, e verdadeiramente um dos personagens mais influentes do século XX - que eu percebi pela primeira vez os reais propósitos da escolarização norte-americana. Sem Conant, nós provavelmente não teríamos o mesmo estilo e graus de testes padronizados que desfrutamos hoje em dia, nem seríamos abençoados com gigantescas escolas que armazenam 2000 a 4000 alunos por período, como a famosa Columbine, em Littleton, Colorado. Logo depois de me aposentar como professor, peguei o ensaio "A criança, os pais e o estado", de 1959, de autoria de Conant, que mais parecia um livro, e fiquei mais do que intrigado em vê-lo mencionar rapidamente o fato de que as escolas modernas que frequentamos foram o resultado de uma "revolução" planejada entre os anos de 1905 e 1930. Revolução? Ele abre mão de explicar, mas conduz o curioso e o desinformado ao livro de Alexander Inglis, de 1918, Princípios da educação secundária, no qual "viu-se tal revolução dos olhos de um revolucionário".

Inglis, que empresta seu nome a uma palestra sobre educação em Harvard, deixa perfeitamente claro que a escolarização compulsória no continente americano foi planejada para ser exatamente o que havia sido na Prússia de 1820: a quinta coluna no movimento democrático burguês que começava dar aos camponeses e proletários uma voz na mesa de negociações. A escolarização moderna, industrializada e compulsória pretendia um tipo de incisão cirúrgica na unidade potencial dessas subclasses. Separe as crianças por assunto, por faixa etária, por constantes avaliações e por muitas outras maneiras mais sutis, e tornar-se-ia improvável que a massa ignorante da humanidade, separada na infância, jamais se reintegrasse em um todo perigoso.

Inglis divide o propósito - o propósito verdadeiro - da escolarização moderna em seis funções básicas; qualquer uma das quais é suficiente para arrepiar os cabelos daqueles que são inocentes o bastante para acreditar naquelas três metas citadas anteriormente:

1. Função de ajustamento ou adaptação: As escolas devem estabelecer hábitos fixos em reação à autoridade. Isto, obviamente, bloqueia o julgamento crítico por completo. Além disso, praticamente destrói a idéia de que coisas úteis ou interessantes devam ser ensinadas, porque você não pode testar a obediência reflexiva até saber se as crianças conseguem aprender e fazer coisas tolas e cansativas.

2. Função de integração: Também pode muito bem ser chamada de "função de conformação", pois sua intenção é tornar as crianças tão parecidas quanto possível. Pessoas conformadas são previsíveis, e isso é muito útil para aqueles que desejem explorar e manipular uma grande massa trabalhadora.

3. Função de diagnóstico e direção: A escola destina-se a determinar o papel social de cada estudante. Isto se faz documentando evidência matemática e anedótica em registros cumulativos. Como em "seu registro permanente". Sim, você tem um.

4. Função de diferenciação: Uma vez que seus papéis sociais tenham sido "diagnosticados", as crianças devem ser ordenadas de acordo com tais papéis, e treinadas somente até onde seu destino dentro da máquina social merecer - e nenhum passo a mais. Esqueça fazer de cada criança a melhor versão de si mesma.

5. Função seletiva: Isso não se refere de maneira alguma à escolha humana, mas à teoria de seleção natural de Darwin sendo aplicada ao que ele chama de "as raças favorecidas". Resumindo, a idéia é ajudar, tentando, conscientemente, melhorar o estoque de procriação. As escolas são feitas para rotular os que "não se encaixam" - com notas baixas, aplicação de correções, e outras punições - tão claramente que seus colegas os aceitam como inferiores e efetivamente os afastam dos sorteios reprodutivos. É isso que todas aquelas humilhações que seguem-se desde o primeiro ano têm o intuito de fazer: livrar-se da sujeira.

6. Função propedêutica: O sistema social implícito nessas regras exigirá um grupo de elite de cuidadores. Com este fim, uma pequena fração das crianças será silenciosamente ensinada a como administrar este projeto contínuo, como observar atentamente e controlar uma população deliberadamente emburrecida e sem ter como reagir, para que o governo possa seguir sem ser desafiado, e as corporações jamais venham a ter necessidade de trabalho obediente.

Este, infelizmente, é o propósito da educação pública obrigatória neste país. E para que você não tome Inglis como um excêntrico isolado com uma visão muito cínica com relação ao empreendimento educacional, você precisa saber que ele nunca esteve sozinho na defesa destas idéias. O próprio Conant, desenvolvendo em cima das idéias de Horace Mann e outros, fez campanhas incansáveis por um sistema escolar americano elaborado seguindo as mesmas linhas. Homens como George Peabody, que fundou a causa da escolaridade obrigatória por todo o sul, certamente entenderam que o sistema prussiano era útil em criar não somente um eleitorado inofensivo e uma força de trabalho servil, mas também uma manada virtual de consumidores acéfalos. Com o tempo, um grande número de titãs industriais chegou a reconhecer os enormes benefícios em cultivar e cuidar de tal manada através da educação pública; entre eles, Andrew Carnegie e John Rockefeller.

Aí está. Agora você sabe. Não precisamos das concepções de Karl Marx sobre uma grande guerra entre as classe para ver que é de interesse da complexa gestão, econômica ou política, emburrecer as pessoas para desmoralizá-las, dividí-las, separando-as umas das outras, e descartá-las caso não se conformem. A classe pode enquadrar a proposição, como quando Woodrow Wilson, o presidente da Universidade de Princeton, disse o seguinte à Associação de Professores Escolares da cidade de Nova Iorque em 1909: "Nós queremos que uma classe de pessoas tenha educação liberal, e queremos que uma outra classe de pessoas, uma classe muito maior, de necessidade, em cada sociedade, renuncie aos privilégios da educação liberal e dedique-se a executar tarefas manuais específicas e difíceis." Mas, os motivos por trás das repugnantes decisões que provocam estes fins não precisam, de forma alguma, ser baseados em classes. Eles podem resultar puramente do medo, ou da crença hoje já conhecida, de que "eficiência" é a virtude fundamental, ao invés de ser o amor, a liberdade, o riso ou a esperança. Acima de tudo, podem surgir da pura ganância.

Havia muita fortuna a ser feita, afinal, com uma economia baseada em produção de massa, e organizada para favorecer a grande corporação, mais do que aos pequenos negócios ou fazendas familiares. Mas, produção em massa demandava consumo em massa; e, na virada do século XX, a maioria dos americanos considerava pouco natural e pouco sábio comprar coisas das quais não se precisava de verdade. A escolaridade obrigatória foi uma benção, neste sentido. As escolas não tinham que treinar as crianças num sentido direto para pensarem que deveriam consumir sem parar, pois ela fazia algo ainda melhor: ela encoraja-os a nem sequer pensar. E isso tornou-os alvos fáceis para ainda outra grande invenção da era moderna - o marketing.

Você não precisa ter estudado marketing para saber que há dois grupos de pessoas que sempre podem ser convencidos a consumir mais do que precisam: viciados e crianças. A escola fez um excelente trabalho ao transformar nossas crianças em viciados, mas fez um trabalho espetacular ao transformá-las em crianças. Mais uma vez, isso não foi um acidente. Teóricos desde Platão e Rousseau até o nosso Dr. Inglis sabiam que se as crianças pudessem ser enclausuradas com outras crianças, livres da responsabilidade e independência, motivadas a desenvolver somente as emoções triviais como a ganância, a inveja, o ciúme e o medo, elas cresceriam sim, mas sem verdadeiramente amadurecer. Na edição de 1934 do seu já famoso livro Educação Pública nos Estados Unidos, Ellwood P. Cubberley detalhou e enalteceu a estratégia de ampliações escolares sucessivas, que estendia a infância por mais dois a seis anos; e o ensino obrigatório era, até então, uma novidade. Este mesmo Cubberley - que era reitor da Escola de Educação de Stanford, editor de livros-texto na Hughton Mifflin, amigo de Connat e correspondente em Harvard - escreveu o seguinte, na edição de 1922 do seu livro Administração da Escola Pública: "Nossas escolas são fábricas nas quais os produtos brutos (as crianças) devem ser moldados e formados. E é de responsabilidade da escola construir alunos de acordo com as especificações determinadas".

É perfeitamente claro para a nossa sociedade hoje o que eram aquelas especificações. A maturidade agora está banida de quase todos os aspectos das nossas vidas. Leis fáceis de divórcio acabaram com a necessidade de batalhar-se por um relacionamento; o crédito fácil removeu a necessidade de auto-controle fiscal; o entretenimento fácil tirou a necessidade de aprender a entreter-se a si mesmo; as respostas simples removeram a necessidade de fazerem-se perguntas. Tornamo-nos uma nação de crianças, felizes em entregar nossos juízos e nossas vontades a exortações políticas e lisonjas comerciais que insultariam qualquer adulto de verdade. Nós compramos televisores, para, em seguida, comprar o que vemos neles. Compramos computadores, e depois compramos as coisas que vemos neles. Compramos tênis de $150 quer precisemos ou não, e quando eles se acabam, nós prontamente compramos um outro par. Dirigimos SUVs, e acreditamos na mentira de que eles continuem algum tipo de segurança para nossa vida, até mesmo quando estamos de cabeça para baixo dentro deles. E o pior de tudo, nós nem piscamos os olhos quando Ari Fleischer nos diz "tomem cuidado com o que dizem," mesmo se lembrarmos de termos ouvido em algum momento lá trás, na escola, que a América é da terra da liberdade. Simplesmente também caímos nesta. Nossa escolaridade, como planejado, cumpriu com isso.

Agora, as boas notícias. Uma vez que você entendeu a lógica da escolaridade moderna, suas armadilhas e truques são fáceis de evitar. A escola treina as crianças para serem empregadas e consumidoras; ensine seus filhos a serem líderes e aventureiros. A escola treina as crianças a serem obedientes por reflexo; ensine seus filhos a terem um pensamento crítico e independente. Crianças bem escolarizadas tem uma baixa tolerância para o tédio, ajude seus filhos a desenvolverem uma vida interior, de forma que nunca se entediem. Incentive-os a encararem o conteúdo sério, o conteúdo adulto, em história, literatura, música, artes, economia, teologia - todas as coisas que os professores escolares sabem muito bem como evitar. Desafie seus filhos a lidarem com a solidão para que aprendam a desfrutar da companhia  de si mesmos e a conduzir diálogos interiores. Pessoas bem escolarizadas são condicionadas a detestarem estarem o "estar só", e buscam companhia constante através da televisão, computador, celular, e em amizades superficiais rapidamente conquistadas e rapidamente abandonadas. Seus filhos devem ter uma vida mais significativa, e eles podem.

Primeiramente, no entanto, devemos despertar para perceber o que nossas escolas realmente são: laboratórios experimentais de mentes jovens, centros de treinamento para os hábitos e atitudes que a sociedade corporativa exige. O ensino obrigatório atinge as crianças apenas acidentalmente; seu propósito real é o de torná-las serviçais. Não deixe que seus filhos tenham suas infâncias prolongadas, nem mesmo por um dia. Se David Farragut pôde assumir o comando de um navio de guerra inglês capturado quando ainda era pré-adolescente, se Thomas Edison pôde publicar um folhetim aos doze anos, se Benjamin Franklin pôde instruir-se no uso de uma impressora com a mesma idade (e então colocar-se em um curso de estudos que sufocaria qualquer sênior de Yale hoje), não há dúvidas de que seus filhos podem fazer. Depois de uma longa vida e trinta anos nas trincheiras das escolas públicas, concluí que o gênio é tão comum quanto o pó. Nós limitamos nossos gênios só porque ainda não descobrimos como administrar uma população de homens e mulheres escolarizados. A solução, eu acho, é simples e gloriosa. Deixemos que eles administrem-se a si mesmos.

Por John Taylor Gatto com tradução de Camila Abadie e Helena Yoshima
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