31.7.15

Se eu não fosse católico...

Se eu não fosse católico e estivesse procurando a verdadeira igreja no mundo de hoje, eu iria em busca da única igreja que não se dá muito bem com o mundo. Em outras palavras, eu procuraria uma igreja que o mundo odiasse. Minha razão para fazer isso seria que, se Cristo ainda está presente em qualquer uma das igrejas do mundo de hoje, Ele ainda deve ser odiado como o era quando estava na terra, vivendo na carne.

Se você tiver que encontrar Cristo hoje, então procure uma igreja que não se dá bem com o mundo. Procure uma igreja que é odiada pelo mundo, como Cristo foi odiado pelo mundo. Procure pela igreja que é acusada de estar desatualizada com os tempos modernos, como Nosso Senhor foi acusado de ser ignorante e nunca ter aprendido. Procure pela igreja que os homens de hoje zombam e acusam de ser socialmente inferior, assim como zombaram de Nosso Senhor porque Ele veio de Nazaré. Procure pela igreja que é acusada de estar com o diabo, assim como Nosso Senhor foi acusado de estar possuído por Belzebu, o príncipe dos demônios.

Procure a igreja que em tempos de intolerância (contra a sã doutrina), os homens dizem que deve ser destruída em nome de Deus, do mesmo modo que os que crucificaram Cristo julgavam estar prestando serviço a Deus.

Procure a igreja que o mundo rejeita porque ela se proclama infalível, pois foi pela mesma razão que Pilatos rejeitou Cristo: por Ele ter se proclamado a si mesmo a verdade. Procure a igreja que é rejeitada pelo mundo, assim como Nosso Senhor foi rejeitado pelos homens. Procure a igreja que em meio às confusões de opiniões conflitantes, seus membros a amam do mesmo modo como amam a Cristo e respeitem sua voz, como a voz do seu fundador.

E então você começará a suspeitar que se essa igreja é impopular com o espírito do mundo é porque ela não pertence a esse mundo e uma vez que pertence a outro mundo, ela será infinitamente amada e infinitamente odiada, como foi o próprio Cristo. Pois só aquilo que é de origem divina pode ser infinitamente odiado e infinitamente amado. Portanto, essa igreja é divina.

Arcebispo Fulton J. Sheen. Retirado de Fratres in unum.com

4.7.15

O invencível exército dos levianos

Só pode ser alegre quem sabe ser triste. Quem consegue  viver os momentos de pesar, inescapáveis neste mundo repleto de dores e perdas, sem fingimentos de nenhuma espécie, sem entorpecer a consciência perante as questões morais decisivas. Em síntese, a genuína alegria é atributo de quem costuma avaliar com critérios objetivos o próprio agir. Nos antípodas desta situação equilibrada estão as pessoas que carregam no coração uma falsa leveza, a qual tem nome próprio e efeitos funestos: leviandade.

O leviano é alguém que inoculou na alma o hábito da dissipação mental. Geralmente ri muito e por motivos tolos, fala demasiado, é assertivo com relação a futilidades e crê em formulazinhas  que o induzem a buscar a felicidade perfeita nesta vida. Para tanto, necessita deformar o conceito de felicidade e colocar no lugar dele placebos de auto-ajuda, de fácil apelo para o seu caráter camaleônico. Como saliente o filósofo Dietrich von Hildebrand num livro sobre as virtudes éticas fundamentais, o leviano contenta-se com decisões baseadas numa impressão fortuita, para não dizer irresponsável, do bem e do mal, do belo e do feio, daí o fato de poder ser ocasionalmente amável, generoso e solícito, mas sempre sem verdadeira nobreza.

A falta de silêncio interior faz do leviano uma pessoa sem princípios sólidos, os quais dependem de valores perenes fundamentados na realidade. Ocorre que uma torrente de sensações voluptuosas - em permanente confronto umas com as outras - acossa o espírito das criaturas caídas neste deplorável estado, transformando-as em joguete das debilidades que vão tomando conta do núcleo do seu ser, de maneira paulatina e progressiva. Este perpétuo sacolejar interior mata a possibilidade de firmeza de caráter e debilita a potência volitiva, razão pela qual o querer do leviano é inconstante. Uma mesma coisa pode aparecer-lhe ora boa, ora má, sem justificativas plausíveis para a mudança de avaliação, tudo depende de humores circunstanciais.

Não é muito difícil de perceber que o leviano é alguém vocacionado a deslealdade, mesmo sem o saber. Trata-se de uma espécie de profissional da opinião irrefletida - típica de indivíduos cujas escolhas decisivas oscilam conforme momentâneas conveniências. Não que o leviano seja incapaz de amizade, mas na prática é inapto para perceber o que realmente nobilita uma relação entre amigos. Ele vive na superfície das próprias satisfações ou insatisfações cotidianas, e, na embriaguez das selvagens emoções às quais sucumbe, não mantém laços firmes com as demais pessoas. O leviano é, pois, o visceral amigo do próprio umbigo, e este seu resiliente egoísmo não provém do acaso, mas da incapacidade de renúncia, nota distintiva do amor. Ora, só renuncia quem possui, e o leviano jamais entra na posse efetiva dos bens imateriais: a beleza, a verdade, a unidade e a bondade são ideias voláteis, etéreas, na cabeça de quem vai sobrevivendo nesta falsa leveza de espírito. 

Nas palvras de Hildebrand, no turbilhão de sua essência o homem leviano não consegue estabilidade nem mesmo nas coisas que leva a sério. É como uma peneira humana que deixa vazar o essencial, o sumo, o mais importante. Não sendo, pois, fiel às próprias impressões, porque estas mudam duma hora para outra, ao leviano está vedada a fidelidade às outras pessoas - não propriamente por malícia, e sim por inépcia. A sua desgovernada intensidade afetiva é uma erupção vulcânica que destrói a hierarquia dos valores e o faz perder a crença em si mesmo, embora camufle esta insegurança existencial com a assertividade frívola acima mencionada.

O leviano comete suicídio psíquico sem ter a mais ínfima noção do próprio estado. A sua ânsia de gozar o momento presente, maligno carpe diem do qual não consegue desagrilhoar-se, é signo perceptível da incapacidade de ir às camadas mais profundas da ação moral. Aqui, não sejamos eufemísticos: o leviano não ama; ele se entretém. Portanto, a cultura do entretenimento - imperante no mundo globalizado onde tudo tende a uma forçosa homogeneização a partir do que é baixo, vulgar, grotesco - é o habitat natural em que sua irreflexão deita raízes. O coração leviano nunca será de ninguém, como diz uma canção popular.

Quando os chamados "bens culturais", expressão equívoca a não mais poder, induzem à leviandade em larga escala, acontece o que vemos hoje: cresce o número de gente incapaz de manter relações profundas, sinceras, amigas. A alegria tem uma morte social, mas não para dar lugar à tristeza, como seria de se esperar, e sim a dissipações de todos os tipos. Em tal configuração, é loucura dar sem exigir de imediato algo em troca; a propósito, uma sociedade de levianos é hospício a céu aberto onde zumbis se arrastam pela vida apáticos diante do bem e do mal.

Esta cínica alegria dos levianos faz com que seu contato com o mundo exterior seja representativo numa comunicabilidade ilusória, na qual a troca de bens reais, objetivos, simplesmente não existe. Se tal patologia, por desgraça, começa a ganhar terreno, a anestesia coletiva apodera-se do conjunto da sociedade de maneira insidiosa e faz destas almas ocas um exército imbatível, composto de rostos sem feições indentificáveis. 

Qualquer analogia da realidade descrita nos parágrafos acima com o Brasil contemporâneo não será leviandade. 

 renata massa