A psicologia atual, tanto em sua vertente experimental, como em sua vertente clínica e outras, surge no fim do século XIX de uma matriz materialista, pelo qual se designou, com razão, como uma psicologia sem alma. Sem alma foi a psicologia experimental de Wundt, foram as psicologias funcionalistas americanas, a reflexologia e o conducionismo e, também a psicanálise. Desde uma perspectiva influenciada pelo positivismo, e antes pela crítica kantiana da psicologia racional, essas formas de psicologia consideram a alma em geral como um princípio de explicação da mente e da conduta humana arcaica e mítica. O homem não seria outra coisa que matéria organizada que não se distinguiria qualitativamente de outras formas de organização da matéria. A matéria é princípio potencial, não real e determinante, receptora de perfeição, mas imperfeita por natureza. Todas as variedades de materialismo são filosofias da potência e não do ato, e, nessa medida, são incapazes de compreender a perfeição e o bem. Por isso, para a psicologia materialista a perfeição é uma espécie de utopia, quase que diríamos, de anomalia. O normal seria a inércia e a imperfeição.
Este materialismo, que se fundava a psicologia clássica do fim do século XIX e princípio do século XX, era em geral mecanicista, mas sobretudo era um biologismo evolucionista. O ser humano, mera organização da matéria sem dimensão transcendente, teria surgido da mutação casual da matéria. Ao ser esta mutação casual, e não dirigida inteligentemente, seu resultado não seria um bem, porque o bem é algo apetecido, querido. O homem não seria alguém querido, nem muito menos, querido por si mesmo. Para ser querido por si mesmo, deveria ser algo dotado de intimidade, ou seja, alguém dotado da capacidade de voltar sobre si mesmo por reflexão e, por tanto, alguém que pode possuir o bem de modo estável. Se o homem não é um bem, nem capaz de possuir o bem, se não foi querido inteligente e pessoalmente, tampouco é alguém que pode ser querido por si mesmo, ou seja, não é suscetível de amor de amizade.
O ponto de vista biológico, aliás, sustentado por todas essas correntes, concebe o ser humano como um mero ser da natureza, imerso em seu meio ambiente, em intercâmbio com este com a finalidade de adaptar-se. Os organismos biológicos implicam uma pluralidade de componentes em equilíbrio. Quanto esse equilíbrio se rompe, surgem as necessidades que se traduzem na consciência como impulso para a superação do desprazer e para a realização do prazer. Isto leva a relação com o meio a fim de obter o necessário para restaurar o equilíbrio interno e o equilíbrio com o meio. Nesta perspectiva, todo ato mental e toda conduta exterior se explicariam em última instância como movimento para a compensação de uma privação, de uma carência ou debilidade. Ou seja, todo amor é amor de concupiscência. Não há lugar para a ação que brota da perfeição, do bem difusível de si (porque tal bem não existiria), da doação desinteressada. Todo amor seria egoísta, possessivo, voraz, mesquinho. Não pode haver amizade.
Este materialismo biologista e evolucionista, elimina ou reduz as faculdades superiores do homem a meros instrumentos ordenados a adaptação. A inteligência não seria uma faculdade pela qual o ser humano se ordena a verdade como seu bem, senão o homem de todas as ações adaptativas que supõem a resolução de problemas não previstos por instintos. Deste modo, o verdadeiro dá lugar ao útil. O pragmatismo é um pressuposto consciente ou inconsciente em quase todas estas correntes. Também o construtivismo se apoia sobre estes pressupostos, como se vê tão claramente em seu precursor, Jean Piaget. O conhecimento seria a construção de ações que são esquema de transformação da realidade. Para essa concepção, conhecer é transformar a realidade, manipulá-la. No fundo, não há verdadeira cognição. Se não há cognição, não há contemplação do bem. Sem contemplação do bem, não há amizade em seu sentido pleno, senão concupiscência, amizade deleitável e amizade útil. Mas não amizade bela, não esse amor pelo qual se ama a pessoa como tal, como outro eu, como uma alma em dois corpos.
Ainda mais deteriorada que a inteligência são as concepções de vontade, o apetite racional despertado pela cognição da verdade. Sem vontade, não há amor de amizade, só pode haver amor de concupiscência, não só no sentido do amor que é para alguém, mas amor como ato do apetite concupiscível, amor do bem deleitável, e derivadamente do que é meio para obtenção do bem deleitável. Não é, portanto, estranha a atitude geral de desconfiança da psicologia contemporânea para a amizade. É que, neste contexto teórico, as relações humanas não podem ser outra coisa que mutua instrumentalização: os pais usariam seus filhos para prolongar seu narcisismo; namorados se usariam mutuamente para obterem satisfação física ou controle moral sobre os outros; o psicoterapeuta não poderia considerar-se amigo de seu paciente, porque poderia ficar intrelaçado nos conflitos do paciente. Isto é assim porque em todo amor nós estaríamos buscando a nós mesmos, e não iria dirigido ao outro conservando sua própria personalidade e bem.
Não é estranho, por tudo isto, que, falando muito sobre o amor, o desejo, as relações objetais ou interpessoais, as influências familiares e sociais sobre a personalidade, etc., a psicologia contemporânea em geral tem negligenciado quase completamente o tema da amizade ou a relegou ao plano da quimera. Evidentemente, nenhum espaço se dá aqui para a ordem sobrenatural e o amor de caridade.
Por Dr. Martín Federico Echavarría
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